21.1.08

Maddie: exemplo de um choro planetário

O “caso Maddie” é de facto o mais mediático dos últimos tempos em Portugal e quiçá no resto do mundo.
Desde Maio de 2007 que muita tinta rola sobre o desaparecimento de uma menina de três anos na Praia da Luz, no Algarve. Rapto? Assassinato? Neglicência? Seja o que for, o que é certo é que desde esse dia a imprensa não largou o caso e o mundo chorou pela menina inglesa.
A complexidade deste caso quase que nos obriga a uma análise por níveis. Primeiro, o boom na imprensa, a seguir as hipóteses. Depois, apontam-se possíveis culpados e, posteriormente, os pais. A análise também poderá ser feita a nível dos procedimentos da polícia portuguesa e do “tratado” de cooperação entre as polícias portuguesa e inglesa. Seguem-se os estereotipos em relação ao desempenho dos MacCan enquanto pais e a permanência nas capas de revistas e jornais ao fim de sete meses.

Maddie na Imprensa

A presença de Maddie na imprensa portuguesa compara-se aos relatos sobre a morte da Princesa Diana na imprensa Britânica. De facto, nenhum outro caso foi tão consecutivamente seguido pelos jornais e pelas revistas como o de Madeleine MacCann – até porque a imprensa foi avisada primeiro do seu desaparecimento do que a própria polícia.
Desde 4 de Maio que diariamente sai um artigo sobre este desaparecimento, por mais pequeno que seja. O que leva a imprensa a esmioçar este caso até ao mais insignificante pormenor? Está de facto provado que os Homens são voyeurs naturais; no entanto, tal voyeurismo nunca pareceu tão apurado em outros casos de desaparecimento.
Na página de internet da Polícia Judiciária podemos aceder a uma lista de pessoas que desapareceram em Portugal (http://www.policiajudiciaria.pt/htm/pessoas.htm): crianças, adolescentes, idosos, imigrantes. Por mais que os seus familiares ansiassem por isso, nenhum destes “desaparecidos” mereceu a cobertura mediática que Maddie teve. A imprensa e a polícia portuguesa fez com esta menina o que nunca antes fez com outra pessoa.
Um dos casos que alcançou os média foi o de Rui Pedro. A mãe deste menino de 9 anos que desapareceu em 1998 conseguiu a atenção das câmaras por meia dúzia de vezes e invadiu os correios electrónicos com a imagem do filho, na esperança que “a janela aberta para o mundo” a ajudasse nas buscas. Entretanto, já passaram dez anos e nada de novo aconteceu, nem a imprensa ou a polícia se preocupou mais com o caso, excepto quando há cerca de três anos surgiram imagens pornográficas onde Rui Pedro terá sido identificado. Madeleine desapareceu em Maio e quase oito meses depois ainda surge nas capas dos diários e das revistas.

Primeira hipótese: rapto. Segunda hipótese: assassinada pelos próprios pais.

Depois do caso vir a público começaram a ser colocadas várias hipóteses sobre o que havia realmente acontecido. A primeira hipótese foi a de rapto; enquanto os pais jantavam com outro casal amigo num restaurante do condomínio, a apenas alguns metros da casa onde Maddie e os irmãos gémeos dormiam, sozinhos, a criança desapareceu.
A 15 de Maio Robert Murat, um cidadão britânico que morava nas proximidades do complexo hoteleiro, foi considerado suspeito. Depois de muitas horas de perguntas e respostas, Murat foi libertado de qualquer suspeita.
Começam a surgir novas hipóteses e o mínimo movimento suspeito dos pais era crucial para se tornarem culpados. Terão provavelmente sido as palavras de Kate numa das suas aparições ao público que os “denunciaram”: numa das suas “conferências” Kate referiu que a sua reacção ao ver que Maddie não estava na casa foi gritar “Eles levaram-na!”. Ora, eles quem?
O casal foi constituído arguido no caso e as culpas caem sobre Kate e Gerry. As hipóteses que surgiram a partir daqui foram as mais macabras e outras chegaram mesmo a ser ridículas. No entanto, em qualquer uma delas o casal é culpado pela morte da filha. As hipóteses são muitas: poderá ter sido um ajuste de contas de algum inimigo do casal; poderá ter sido Kate que num ataque de fúria bateu com tanta violência na criança que a terá morto. Também o facto de serem médicos levantou a suspeita de que teriam dado uma dose excessiva de calmantes a Maddie para que ficasse a dormir no quarto com os irmãos enquanto os pais jantavam despreocupados.
Depois das análises feitas ao ADN encontrado na viatura do casal MacCann, e do odor a cadáver que demonstrou ter cheirado os cães “pisteiros”, os pais foram acusados de terem transportado o corpo da filha e de o terem escondido ou queimado num dos fornos ou incineradoras da zona.
A seguir, e de novo por causa do ADN, Madeleine poderia não ser filha de Gerry, razão pela qual o médico inglês poderia ter matado a criança. Depois disto os MacCann vieram novamente a público dizer que tinham recorrido a inseminação artificial porque Kate não conseguia satisfazer naturalmente o seu desejo de ser mãe.
Os ânimos acalmaram mas as dúvidas continuam. São muitas as hipóteses e poucos os suspeitos.

Estereotipos sobre os MacCann

A partir daqui um torbilhão de desconfianças arruinou qualquer imagem de pais em sofrimento que até então Kate e Gerry tinham passado. De repente, o “mundo” virou-se contra o casal inglês “loiro e rico” que sustentava o turismo algarvio. Por terra ficaram os balões lançados para Maddie, as fitas da esperança que enfeitavam os pulsos da família, o ursinho que a mãe transportava, a “fundação” e o dinheiro revertido a favor das buscas e até mesmo a viagem ao encontro de Sua Santidade, o Papa. Ou mesmo os possíveis contractos com a Google para colocar a imagem dos olhos da menina dentro dos dois ‘o’ do motor de busca, ou o acordo com J K Rowling para que a imagem dos separadores do último livro da saga de “Harry Potter” fosse a cara de Maddie.
Kate passou de mãe em sofrimento para “Medeia” não traída. Gerry deixou de ser o pai calmo e racional para ser o pai frio e possível assassino. O casal tudo fez para que a imagem não arruínasse as investigações. As lágrimas que há muito tantos exigiam de Kate, a mãe culpada, vieram-lhe finalmente aos olhos, em público. Também surgiram críticas ao modelo de educação que o casal transmitia; como era possível que tivessem deixado as crianças sozinhas?, principalmente Kate – uma mãe jamais deixaria um filho sozinho.
Portugal começou a “odiar” o casal inglês. O povo sentiu-se traído e ficou abalado com tais suspeitas. Era chegada a hora dos MacCann abandonarem o povo “enraivecido” e voltarem a casa, para serem recebidos de forma mais compreensiva.

O trabalho da polícia

Nunca os portugueses viram a polícia tão empenhada em resolver um caso de desaparecimento. Durante mais de um mês efectuaram buscas quase diárias na Praia da Luz, definiram um perímetro de buscas e até o ultrapassaram, esboçaram desenhos de um suspeito; fizeram tudo o que até então nunca tinham feito por um Rui Pedro ou por uma Rita.
Porquê Maddie? Porquê uma menina estrangeira e nunca uma portuguesa? A polícia portuguesa até se sujeitou a ordens da polícia britânica e “vinculou” um acordo de cooperação. Detectives, agentes, inspectores, juntos no mesmo caso, pela vida de Maddie, pela busca de uma verdade.
Ao mais comum português esta procura desenfreada poderá ter passado ao lado mas terá revoltado muitos outros portugueses. Terá tido a polícia portuguesa necessidade de se afirmar ou de fazer com que reparassem no seu trabalho? Precisavam de uma oportunidade para mostrarem do que eram capazes? O facto é que a polícia se entregou a este caso mais do que em qualquer outro (provavelmente) em toda a sua história.

Maddie: o choro planetário

Em A Tirania da comunicação, Ignacio Ramonet fala do “choro planetário”. Na obra o autor refere-se à morte da Princesa Diana que abalou o mundo e sustentou a imprensa mundial durante algum tempo. Tudo foi aproveitado para colar nas páginas dos jornais e das revistas; as fotografias do acidente enriqueceram os paparazzi, que ironicamente poderiam ter sido a causa da sua morte.
Ramonet fala em “psicodrama planetário”, “choque mediático total” ou “globalização emocional”, “o que é indiscutível é que vivemos, então, um acontecimento mediático” que iniciou a era da informação global.
O povo português chorou o desaparecimento de Maddie. Durante meses a imagem da menina loira entrou pelas nossas casas e a comunicação social quase nos obrigava a a seguir a história e a “embalar” a pequena Madeleine.
Nos primeiros dias do mês em que Maddie desapareceu todas as notícias eram realmente do interesse de todos os leitores, ouvintes e telespectadores. Depois da estagnação de dados e de informação, entrou-se numa rotina mediática. Os jornalistas começaram a informar sobre a informação, a reciclar notícias, tudo porque não havia nada de novo ou que chocasse novamente o povo adormecido.
O desaparecimento de Madeleine foi um dos maiores, ou senão o maior fenómeno mediático em Portugal. Num país onde quase só os políticos são notícia, de repente a criança inglesa passou a estar em todas as capas. Ficam muitas “mágoas” no ar, muitas dúvidas e suspeitas, muitos medos e desconfianças. Até ao caso não estar resolvido, os MacCann vão continuar a ser culpados pela morte da filha e as diferenças entre loiros e ricos e rudes populares (como dizia José Pacheco Pereira) serão cada vez mais acentuadas, por muito que a polícia se esforce por colmatá-las.
Para trás ficaram litros de tinta e horas de gravações. Agora espera-se que apareçam respostas e que termine a “tortura” do 3 de Maio. Para trás ficaram também tantas outras crianças que não mereceram a atenção dos média; não talvez por serem rudes nos seus modos, mas porque alguém não se lembrou de avisar a comunicação social antes da polícia.


Bibliografia
RAMONET, Ignacio, A Tirania da Comunicação, Campo das Letras – Editores, S.A., 1999.

(Trabalho escrito no âmbito da disciplina de Discurso e Ideologia; curso de Licenciatura em Comunicação Social e Cultura; 4º ano, 1º semestre)

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